Solicitado

Professor de Filosofia Sergio Muricy - Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães

terça-feira, 22 de janeiro de 2013


Casos de intolerância expõem preconceito racial


Edição do dia 29/09/2002 do fantástico 

Um brasileiro radicado nos Estados Unidos e um americano que mora no Brasil descobrem algo em comum nos dois países: o preconceito.
Os dois não se conhecem e levam vidas totalmente diferentes. Um é maestro, o outro jogador de futebol. Um é branco, o outro negro. Agora sabem, melhor do que ninguém, que preconceito não tem pátria.
Johnnie conheceu Eliana há sete anos. Casaram e tiveram três filhos. Ele é jogador profissional de futebol americano, mas foi convencido pela mulher a deixar os Estados Unidos e vir morar no Brasil. “Eu disse pro Johnnie que o Brasil é um país de muitas raças e que ele não sentiria o racismo presente”, conta Eliana.
“No início, eu acreditei. Até que semanas atrás tive um encontro constrangedor para mim e minha família”, diz o americano. O encontro aconteceu à noite, por volta das 22h. Johnnie estava dirigindo o carro dele, voltando para casa, quando foi parado numa blitz da polícia militar, em Balneário Camboriú. Ele estava acompanhado do sócio, que também é negro, e dos dois cunhados. Segundo Johnnie, a polícia o tratou de forma arrogante e racista.
“Nos mandaram sair do carro. E empunhavam armas. Fiquei com medo. Aí eles disseram: ‘Coloca a mão na parede, negão!’. Tive medo de ser morto, eu nunca havia passado por isso nos Estados Unidos e não pensei que pudesse acontecer comigo no Brasil”, lembra. “Me senti como se me arrancassem meus direitos. E eu não havia feito nada de errado”.
“No momento em que pararam a gente, eu percebi logo que era porque tinha dois negros dirigindo um carro importado”, conta um dos cunhados. “Foi racismo”, diz Greg, sócio de Johnnie, que também se sentiu humilhado pelos policiais. “Eles pensaram: ‘Como podem ter um carro assim? Devem ter roubado para vender em outro país’”, opina Greg.
Johnnie lembra que apresentou a carteira de motorista e os documentos do carro. Mesmo assim, foi tratado como um bandido. “Quero esclarecer uma coisa. Eu falo de dois policiais. Não posso culpar toda a polícia. Mas não quero que essa brutalidade aconteça de novo”, pede o americano.
Eliana, que acreditava na democracia racial no Brasil, abriu os olhos para a realidade. “Em São Paulo, nós paramos um táxi e o taxista me disse que negro não entrava no carro dele. Agora, vivendo ao lado de uma pessoa negra, eu começo a perceber que é bem forte e acentuado o racismo no Brasil”, afirma Eliana.
Johnnie decidiu não processar a polícia. Quer trabalhar na cafeteria dele e viver em paz. Em Balneário Camboriú, o jogador é admirado e distribui autógrafos para os fãs. Quanto aos policiais, ele diz: “Espero que aprendam a lição de que não estão acima da lei. Amo o Brasil, vou fazer deste país o meu lar. As pessoas são maravilhosas e estou gostando de viver aqui”.
O carioca Nélson Nirenberg é um maestro de fama internacional. Onde chega, em suas viagens, é recebido com o carinho do público - principalmente nos Estados Unidos, onde vive há quase 30 anos. Mas, segundo o maestro, durante uma viagem de avião dos Estados Unidos ao Brasil alguns tripulantes desafinaram, e feio, após um atraso de 17 horas.
“Estava retornando ao Brasil em férias, sentei no meu lugar marcado pela companhia, abotoei meu cinto de segurança, fiquei lá e em seguida chegou o comissário e disse que ia me colocar para fora a chutes se eu não saísse daquele lugar e me ameaçou de prisão se eu não saísse do lugar. Uma coisa absurda!”, conta Nirenberg.
O maestro diz que protestou contra a grosseria do tripulante, que horas depois reapareceu acompanhado de um colega. “E os dois comissários voltaram à minha cadeira, perguntando quem eu pensava que era e que eles poderiam ter-me preso, e me colocado pra fora do vôo, e que os brasileiros eram safados, sem-vergonhas e miseráveis e pobres, e que eles como americanos eram ricos, bonitos e poderosos”.
Ao desembarcar, Nélson Nirenberg reuniu testemunhas e processou a American Airlines - condenada a pagar ao maestro o equivalente a 200 salários mínimos pelo atraso do vôo e pelas ofensas sofridas. Em carta enviada à redação do Fantástico, a American Airlines afirma que o maestro destratou um comissário de bordo que lhe pediu pra apresentar o cartão de embarque, o que teria dado início ao incidente.
Nélson Nirenberg aponta a condenação da American Airlines como um exemplo a ser seguido por outros passageiros - e agora processa a empresa também por crime de racismo. “Como numa orquestra todos têm importância, todos precisam participar ativamente e todos precisam ser respeitados, na vida também todos nós precisamos ser respeitados”, finaliza o maestro.

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