Solicitado

Professor de Filosofia Sergio Muricy - Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães

terça-feira, 22 de janeiro de 2013


BREVES CONSIDERAÇÕES
SOBRE RACISMO E INTOLERÂNCIA RACIAL.
A LEI Nº 7.716/89
                                                                                              Ricardo Antonio Andreucci *


1. Racismo e discriminação ou preconceito racial – A intolerância racial.

É muito comum se estabelecer confusão entre racismo e discriminação ou preconceito racial.
O termo racismo geralmente expressa o conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças, entre as etnias, ou ainda uma atitude de hostilidade em relação a determinadas categorias de pessoas. Pode ser classificado como um fenômeno cultural, praticamente inseparável da história humana.
A discriminação racial, por seu turno, expressa a quebra do princípio da igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou preferências, motivado por raça, cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou convicções políticas.
Já o preconceito racial indica opinião ou sentimento, quer favorável quer desfavorável, concebido sem exame crítico, ou ainda a atitude, sentimento ou parecer insensato, assumido em conseqüência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio, conduzindo geralmente à intolerância.
Portanto, em regra, o racismo ou o preconceito racial é que levam à discriminação e à intolerância racial.
E nesse aspecto, existe uma preocupação mundial no combate ao racismo e à intolerância racial, que se manifesta através da realização de múltiplos eventos, nacionais e internacionais, com a participação de entidades governamentais e não governamentais, buscando a união dos povos contra toda forma de racismo, intolerância e discriminação, não apenas como caminho de preservação e respeito aos direitos humanos mais básicos, mas também como medida de minimização e erradicação de revoltas, guerras e conflitos sociais.
A Organização das Nações Unidas realizou uma Conferência Mundial contra o racismo, na África do Sul, nos meses de julho e agosto de 2001, com a presença de líderes governamentais, organizações internacionais e intergovernamentais, organizações não-governamentais (ONGs), entre outras. Na oportunidade, Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e Alta-comissária da ONU para Direitos Humanos, no dia primeiro de maio, ao conversar com membros da Comissão Preparatória, em Genebra, a respeito de suas metas e perspectivas para a Conferência Mundial, observou:

“Esta Conferência Mundial tem potencial para estar entre os mais significativos encontros do início deste século. Pode ser mais: A conferência pode dar forma e simbolizar o espírito do novo século, baseada na mútua convicção de que nós todos somos membros de uma família humana. O desafio está em fazer desta Conferência um marco na guerra para erradicar todas as formas de racismo. As persistentes desigualdades, no que diz respeito aos direitos humanos mais básicos, não são apenas erradas em si, são também a principal causa de revoltas e conflitos sociais. Pesquisas de opinião em vários países mostram que temas ligados à discriminação racial, xenofobia e outras formas de intolerância predominam entre as preocupações públicas hoje. Há uma grande responsabilidade moral de todos os participantes em fazer com que esta Conferência tenha êxito. Depende apenas de todos nós assegurar que tiraremos proveito desta oportunidade e que produziremos um resultado prático, com uma ação orientada, que responda a estas preocupações. Nós devemos isto especialmente às gerações mais jovens, que correm o risco de crescer num mundo cuja população aumenta num ritmo sem precedentes.”

Observou, ainda, Mary Robinson, que “o nome desta Conferência Mundial abarca outras formas de racismo e preconceito em nosso mundo moderno, como a xenofobia em todas as suas manifestações; como o anti-semitismo; a negrophobia; a discriminação contra povos indígenas, migrantes, refugiados, outros povos deslocados de suas localidades de origem e as comunidades minoritárias, tais como Roma e Sinti. Há ainda numerosos exemplos de discriminação com base na religião ou status social.”

Constata-se, outrossim, que a questão da intolerância racial não é moderna, já existindo desde os tempos mais remotos, não encontrando fronteiras temporais ou territoriais, merecendo ser destacado excerto de ensaio intitulado “Nuestra América”, de José Luiz Gómez-Martínez, sobre a época do descobrimento e colonização das Américas:

"Não há nenhum ódio racial, porque não existem raças. Pensadores Puny, lâmpadas de pensadores e raças requentados enfiada biblioteca, o viajante e o observador olhar apenas morno em vão na justiça da natureza, que destaca, no amor e identidade apetite turbulento vitorioso universal do homem. Emana a alma, iguais e eterna, corpos diversos em forma e cor. Pecados contra a humanidade para promover e difundir a oposição e o ódio das raças. Mas, na massa do povo são condensados ​​na vizinhança de outros povos diversos, personagens peculiares e bens, idéias e hábitos, ampliação e aquisição de vaidade e ganância, que a latência das preocupações nacionais poderia, em um período de desordem interna ou caráter precipitação acumulada do país, trocados em séria ameaça para as terras vizinhas, isoladas e de fraca, a perecíveis país forte e estados inferiores. Pensar é servir. Não se supor, por aldeia antipatia, uma inata mal e fatal para os povos do continente loira, ele não fala a nossa língua, ou ver a casa como vemos, nem parece que em seus males políticos, que são diferentes dos nossos , ou está em um dos homens biliosos e morenas, ou olhar de caridade, desde seguro eminência mesmo má, que, com menos favor da história, subir para heroicas repúblicas comprimentos via, nem tem que esconder o patente problema solucionável dados, para a paz dos séculos, com o estudo oportuno e urgente tácito união alma continental. Porque parece que o hino unânime geração atual verticalização na estrada sublime pago pelos pais, o trabalhador americano, o Bravo Magalhães, sentado na parte de trás do condor, o semi grande regada por nações românticas continente e as ilhas do mar dolorosa, a semente da nova América! "

Vale destacar, ainda, no mesmo sentido, as observações feitas pelo bispo Dom Bartolomé de las Casas, da Ordem de Santo Domingo, na época do descobrimento, em belíssimo ensaio intitulado "Descoberta da Índia":
"No continente vasto certeza de que o nosso espanhol para suas crueldades e obras abomináveis, têm despovoadas e devastada e agora estão desertas, cheio de homens racionais, mais de 10 reinos mais elevados do que Espanha, embora entre Aragão e Portugal neles e mais terra de Sevilha a Jerusalém duas vezes, que são mais de dois mil quilômetros.
Vamos explicar muito verdadeiro e real que são mortos nestes 40 anos no referido tiranias e obras infernais de cristãos, injustos e tirânicos, mais de 12 histórias de fantasmas, homens, mulheres e crianças, e na verdade eu acho que, sem enganar pensando que são histórias 15.
Duas principais formas gerais que passaram além, que se dizem cristãos, e briga extirpar na face da terra para as nações lamentável. A uma, por injustas, guerras cruéis, sangrento e tirânico. O outro, depois de todos os que morreram ou pode almejar suspirar liberdade ou pensar, ou deixar o seu tormento, como são todos naturais e mestrados (homens, porque eles geralmente não deixam as guerras para a vida, mas a jovens, homens e mulheres), oprimir com a qual o mais difícil, horrível e áspera servidão nunca homem nem animal poderia ser usado. Estas duas formas de tirania infernal e determinação são reduzidos como gêneros, todos os outros vários e vários devastar essas pessoas que são infinitas.
A razão por que muitos foram mortos e destruídos, e tal e tal, um número infinito de cristãos almas foram apenas para inchar seu final de ouro e riqueza em poucos dias, e até estados muito elevados e não proporção de suas pessoas, a saber, pela insaciável ambição cudicia e eles tiveram, que foi maior do que no mundo poderia ser, sendo essas terras tão feliz e tão rico, e o povo tão humilde, tão paciente e tão fácil de subjectarlas, para que eles não tiveram mais respeito e ter mais em conta Dellas ou estimado (falo a verdade do que eu sei e tenho visto o tempo todo), não digo que de bestas (que seria para Deus, que como animais hobieran tratado e estimado), mas como esterco e menos quadrados. E assim foram curados de suas vidas e suas almas, e assim todos esses números e histórias que morreram sem fé e sem sacramentos. E esta é uma verdade muito visível e estabelecida, que todos, mesmo os tiranos e assassinos, e sei que é confessar: eu nunca índios em todos os cristãos Índias fez mal, tinha que vir antes do céu, até primeiro recebeu qualquer hobieron vezes eles ou seus vizinhos muitos males, roubos, assassinatos, violência e abuso de deles mesmos. "

Constata-se, portanto, que o racismo, a discriminação, o preconceito e a intolerância racial são fenômenos antigos e mundiais, não restritos apenas a países ou regiões do globo, apresentando implicações transnacionais e intertemporais de acentuada importância, principalmente como agentes catalisadores de inúmeros conflitos e guerras, que tanto sofrimento e desespero têm propiciado à população mundial.

2. Raça, cor, etnia, religião e procedência nacional – A lei nº 7.716/89.

            No Brasil, o primeiro diploma a cuidar especificamente do preconceito e da discriminação racial foi a Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951, denominada Lei Afonso Arinos, de autoria do então deputado federal pelo estado de Minas Gerais, Afonso Arinos de Melo Franco.
            A ela se seguiu a Lei nº 7.716, de 15 de janeiro de 1989, até hoje em vigor, que foi modificada pela Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, que alargou significativamente seu alcance, apontando expressamente a discriminação e acrescendo os crimes resultantes de preconceito ou discriminação de etnia, religião ou procedência nacional.
A referida Lei nº 7.716/89, no art. 1º, estabelece punição aos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, sem, entretanto, esclarecer os precisos contornos de cada uma dessas expressões.
Raça pode ser definida como cada um dos grupos em que se subdividem algumas espécies animais (no caso específico da lei – o homem), e cujos caracteres diferenciais se conservam através das gerações (Ex.: raça branca, amarela, negra).
Cor indica a coloração da pele em geral (branca, preta, vermelha, amarela, parda).
Etnia significa coletividade de indivíduos que se diferencia por sua especificidade sociocultural, refletida principalmente na língua, religião e maneiras de agir. Há quem inclua fatores de natureza política no conceito de etnia (Ex.: índios, árabes, judeus etc).
Religião é a crença ou culto praticados por um grupo social, ou ainda a manifestação de crença por meio de doutrinas e rituais próprios (Ex.: católica, protestante, espírita, muçulmana, islamita etc).
Procedência nacional significa o lugar de origem da pessoa; a nação da qual provém; o local do qual procede o indivíduo (Ex.:italiano, japonês, português, árabe, etc), incluindo, a nosso ver, a procedência interna do país (Ex.: nordestino, baiano, cearense, carioca, gaúcho, mineiro, paulista etc).

3. Injúria por preconceito.

      A injúria por preconceito, também chamada de injúria racial, foi acrescentada ao Código Penal pela Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, consistindo na utilização de elementos referentes à raça, cor etnia, religião ou origem, para ofender a honra subjetiva (auto-estima) da vítima. Vem prevista no art. 140, § 3º, do Código Penal, cominando pena de 1 a 3 anos de reclusão, e multa.
Portanto, não há que se confundir, como freqüentemente ocorre, o crime de racismo (previsto pela Lei nº 7.716/89), com o crime de injúria por preconceito. O primeiro resulta de discriminação, de preconceito racial, implicando em segregação, impedimento de acesso, recusa de atendimento etc, a alguém. O segundo é crime contra a honra, agindo o sujeito ativo comanimus injuriandi vel diffamandi, elegendo como forma de execução do crime justamente a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem da vítima.
    Nesse sentido:

      “A utilização de palavras depreciativas referentes à raça, cor, religião ou origem, com o intuito de ofender a honra subjetiva da pessoa, caracteriza o crime previsto no § 3º do art. 140 do CP, ou seja, injúria qualificada, e não o crime previsto no art. 20 da Lei nº 7.716/89, que trata dos crimes de preconceito de raça ou de cor.” (TJSP – RT 752/594).

4. Conclusão.

            A Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Conexa, realizada em Durban, na África do Sul, que contou com a participação de 2300 representantes de 163 países, entre eles 16 chefes de estado, 58 ministros de negócios estrangeiros e 48 ministros de outras áreas, 4000 representantes de organizações não governamentais e mais de 1100 representantes dos meios de comunicação social, concluiu pela condenação dos flagelos à Humanidade que são a discriminação e a intolerância, lançando um apelo à ação por parte da comunidade internacional, com vista a erradicá-los onde quer que possam existir.
            A Conferência aprovou uma Declaração e um Programa de Ação, que obriga os estados membros a adotarem uma série de medidas para combater o racismo em nível internacional, regional e nacional.
            Relativamente aos motivos da discriminação, a Conferência reconheceu que o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância conexa, ocorreram com base na raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica e que as vítimas podem sofrer discriminação em relação a outros motivos ou a motivos relacionados com estes, nomeadamente o sexo, a língua, a religião, a opinião política ou de outro tipo, a origem social, os bens, o nascimento ou outra condição.
            Nesse aspecto, deve ser reconhecida a importância de prestar especial atenção a novas manifestações de racismo, discriminação, xenofobia e intolerância conexa a que vêm sendo expostos os jovens e outros grupos vulneráveis (com o recrudescimento do neonazismo, neofascismo e outras ideologias nacionalistas violentas – veiculadas por meios de comunicação como a Internet), males esses que se incluem entre as causas básicas dos conflitos armados e, amiúde, entre as suas conseqüências.
            Inclusive, não pode ser ignorado que o desenvolvimento socioeconômico de muitos povos e nações vem sendo tolhido por conflitos internos generalizados, ausentes medidas que favoreçam a inclusão e a participação.
               Por fim, não se deve olvidar que o problema da economia mundial e seus aspectos multifacetados, envolvendo o fenômeno da globalização, apresentam, atualmente, inegável influência na gênese do racismo, da discriminação, da xenofobia e da intolerância conexa, merecendo destaque, nesse aspecto, a observação feita por A. Sivanamdan, a respeito do tema:

"O racismo sempre foi um instrumento de discriminação, tanto e de uma ferramenta de exploração. Mas ela se manifesta como um fenômeno cultural, suscetíveis a soluções culturais, tais como a educação multicultural e à promoção de identidades étnicas.
Enfrentar o problema da desigualdade cultural, no entanto, não é por si só corrigir o problema da desigualdade econômica. Racismo é condicionado por imperativos económicos, mas de negociação através da cultura: a religião, literatura, ciência, arte e mídia.
... Uma vez, eles demonizado os negros para justificar a escravidão. Eles então demonizado os "mestiços" para justificar o colonialismo. Hoje, eles demonizar os requerentes de asilo para justificar os caminhos da globalização. E, na era dos meios de comunicação, de rotação, define a demonização parâmetros de exclusão da cultura popular Tal qual encontra Dentro de sua lógica própria - sob o pretexto de xenofobia Normalmente, o medo de estranhos ".

* RICARDO ANTONIO ANDREUCCI é Promotor de Justiça Criminal de São Paulo, Brasil, tendo ingressado no Ministério Público em 1988. Atualmente integra a 1ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital, já tendo exercido diversas funções de assessoria junto à Procuradoria Geral de Justiça. Professor de Direito Penal, Direito Processual Penal e Legislação Penal Especial em universidades e cursos preparatórios para ingresso nas carreiras jurídicas. Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal em cursos de pós-graduação no Estado de São Paulo. Professor da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Professor de Direito Penal do Trabalho em cursos preparatórios para ingresso nas carreiras trabalhistas e em cursos de pós-graduação em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo - USP, turma de 1987. Mestre em Direito Processual Civil. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela "Universidad del Museo Social Argentino", em Buenos Aires. É autor das seguintes obras:  Manual de Direito Penal, em três volumes, pela Editora Saraiva; Legislação Penal Especial, pela Editora Saraiva; Mini Código Penal Anotado, pela Editora Saraiva; Direito Penal do Trabalho, pela Editora Saraiva; Curso de Direito Penal, em dois volumes, pela Editora Juarez de Oliveira; Comentários ao Projeto de Código Penal - Parte Geral, pela Editora Juarez de Oliveira; Simula Prova Promotor de Justiça - CD ROM, pela Editora Verbo Jurídico; Direito Penal - Parte Geral e Parte Especial, em 14 CDs, pela Editora RCS; co-autor das obras Crimes Falimentares e Estatuto do Desarmamento, ambas pela Editora Quartier Latin. Tem vários artigos publicados na imprensa especializada.

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